Nov 082017

Experiência de estágio na Ecole Experimentale de Bonneuil-sur-Marne (França)

Experiência de estágio na Ecole Experimentale de Bonneuil-sur-Marne (França)
Maud Mannoni (1923-1998) Psicanalista francesa, especialista em doenças mentais infantis, como psicose e autismo. Ela fundou em 1969 a Ecole Experimentale de Bonneuil-sur-Marne.

A fundação da escola experimental de Bonneuil-sur-Marne foi realizada a partir de um único recurso, o desejo de alguns pais de fazer com que seu filho escapasse do asilo psiquiátrico e, também, graças ao entusiasmo de um grupo de estudantes, alunos de Pierre Fédida, que trabalharam neste lugar, por cinco anos. O objetivo foi o de criar um lugar aberto para a criação e a fantasia, um lugar aberto para o mundo exterior. Oficialmente Bonneuil é um hospital dia e um lar terapêutico à noite.

A instituição recebeu a denominação de « instituition éclatée » (instituição explodida, estilhaçada) na medida em que deveria ser totalmente voltada para o meio externo, ou seja, ela é organizada de forma que o sujeito se desligue dela durante sua trajetória, não o congelando num determinado papel.

Segundo Mannoni (1988), « todo sujeito, paciente ou analista, tem na verdade tendência a projetar no quadro de uma instituição ideal seus próprios sentimentos de impotência infantil e seu desejo de reencontrar um poder perdido, participando assim, de uma maneira paradoxal, dos mecanismos de seu próprio internamento » (pg.74).

Influenciada por Lacan na França, Basaglia na Itália, Winnicott e Laing na Inglaterra, Mannoni passou a pensar em « um lugar de vida » para pacientes psicóticos jovens, crianças e adolescentes, visando à supressão de hospitais asilares.

Ela pensava que se deveria oferecer aos pacientes psicóticos « estruturas de acolhimento » nas quais eles possam ser escutados, dando-lhes a possibilidade de « confiar em alguém » e de « arriscar a viver ». Nesta perspectiva, Mannoni idealizou para os pacientes um « lugar para viver » onde os aspectos culturais do sujeito em sofrimento estejam resguardados. Para a psicanalista, nas instituições asilares, o aspecto cultural em que ele é levado a viver acha-se quase sempre cortado de todo contexto. O paciente só retém desse lugar um ritual vazio. Sente de forma persecutória toda atitude externa do meio como uma tentativa de querer mudá-lo. Ele precisa de tempo para encontrar o seu lugar no grupo para não se sentir ameaçado pelas angústias persecutórias. Aqui no Brasil encontramos instituições asilares como o Charcot (que há algum tempo foi fechado) e que exclui os pacientes do círculo social.

A escola leva o nome de « experimentale » porque a instituição enfatiza a liberdade de pensamento e a constante reflexão sobre suas condutas, podendo modificar alguma coisa quando necessário. E experimentale no sentido de viver a experiência com o outro, sentir a relação com total liberdade de ação.

1. Estágio

Mannoni idealizou um « lugar para viver » aberto para o exterior. Nesse sentido, Bonneuil recebe muitos estudantes estrangeiros.

O estagiário não precisa ter um currículum a ser avaliado pelos profissionais da instituição, basta ter o desejo de estar ali com as crianças. Os estagiários são aceitos na instituição para acompanhar as crianças e adolescentes, não há a intenção de ensiná-los a tratar as crianças.

O que torna Bonneuil uma instituição diferenciada no tratamento é que as crianças não são apresentadas pelo diagnóstico que foram atestadas quando chegaram à instituição, elas são tratadas pelos nomes. Para os profissionais da escola, a história e o diagnóstico das crianças podem limitar o encontro. O não saber possibilita liberdade e espontaneidade nas relações. Assim, a criança tem a oportunidade de ser pensada imaginada para além da doença.

Meu primeiro dia de estágio foi bastante surpreendente. Estava bem apreensiva por várias questões, pela língua, pelo novo e principalmente por imaginar como seriam os contatos com as crianças……a pergunta que ficava era : Como devo me relacionar com as crianças?

Porém, quando cheguei à escola fui recepcionada pelas próprias crianças e por Jean Luc, um psicanalista encantador e muito aberto para os estrangeiros. Já nos primeiros minutos, muitas crianças me fizeram muitas perguntas, quanto tempo vai ficar, de onde você é….e logo foram me apresentar o espaço físico da escola.

2. Análise das crianças – fora da instituição

« Lá não se faz psicanálise (…), porém, tudo o que ali se faz está rigorosamente baseado nela, não a usando como uma técnica, senão como subversão de um saber e de uma prática » (Mannoni, 1973). As análises das crianças são feitas fora da escola, até hoje Bonneuil preserva esse dispositivo. E muito importante que a criança tenha um espaço onde ela possa « vomitar » a instituição, para que ela possa realmente dizer tudo que não gosta sem que isso produza um mal estar para ela. E preservar um lugar íntimo da fala, trata-se de uma criança que fale ou que não fale, esse é um ponto muito essencial.

3. Lieu d’accueil – Lugar de acolhimento

Lieu d’accueil (lugar de acolhimento) para as crianças. E um lugar onde as crianças são acolhidas, como em uma família, mas não para viverem em família. Em outras palavras, segundo Mannoni, o lieu d’accueil é um lugar de percurso, onde as crianças entram para sair. Algumas podem permanecer ali por semanas; outras têm a estadia mais demorada. As crianças estão no lieu d’accueil justamente para viverem a experiência de se separarem da família. Lá, a família não passa do hall de entrada.

Cada um, em grupo, tem outra história. A possibilidade de morar com adultos estrangeiros que falam outras palavras e que possuem outra cultura favorece novas formas de vida e de convivência. Assim, para a criança, o lugar de acolhimento proporciona novas experiências em que ela não ocupa um lugar imutável, o de doente.

O lieu d’accueil é um espaço para se viver com sujeitos e não com um grupo criado em uma visão educativa ou terapêutica. E um trajeto pessoal que se faz na relação com as crianças e adultos.

As crianças passam o dia na escola e voltam para o lieu d’accueil no término das atividades. Nos finais de semana elas vão para as casas dos pais. Contudo, há crianças que restam na instituição e assim são organizadas atividades externas, como ir ao cinema, ao parque, exposições…..

4. Atividades das crianças

A primeira atividade é « la causette » são « bate papos » diários em que as crianças e educadores podem falar e colocar questões do dia a dia.

« Causette » são divididos em dois grupos. O primeiro grupo é a « Communale » onde fazem parte o grupo de crianças. O segundo grupo é a « Fac-Spé » que são os adolescentes e jovens adultos.

A partir dos « causette » os estagiários escolhem as atividades que gostariam de participar.

Já as crianças participam durante um ano das mesmas atividades, a escolha é realizada por eles e por sugestão dos educadores. O desejo de cada um é priorizado. Assim, as crianças não fazem atividades específicas de acordo com sua faixa etária. Elas têm a oportunidade de escolher e recusar determinada atividade.

As atividades na parte da manhã se dividem em : atividades escolares, ajuda na cozinha (preparação do almoço e compras) e trabalho no jardim.

Na parte da tarde são realizados diversos ateliers de pintura, música, escultura, poesia, conto, etc.

Todas as experiências nas oficinas de arte e criação em Bonneuil têm em comum a busca por reencontrar a linguagem das crianças. E o lugar onde elas podem mostrar seus sentimentos, emoções e conflitos.

O critério para que seja criada uma nova oficina é simples, basta que um adulto em Bonneuil declare : « Tenho vontade de fazer isso ».

5. Trabalho exterior

Foi concebido depois de três anos da fundação de Bonneuil. A ideia surgiu a partir da fala de uma criança : « Estou farta de viver numa escola de loucos, quero sair ».

Possibilita um lugar de circulação social. Além disso, permite uma posição de sujeito que implica desejo, singularidade, formação e independência. O trabalho permite que o adolescente possa ser de outra maneira, descobrir o mundo.

Primeiramente ele tem um AT (Acompanhante terapêutico) para ir ao trabalho. Porém, com o tempo o AT trabalha esta separação.

Os adolescentes trabalham diferentemente dos outros funcionários, mas seus trabalhos são reconhecidos. Contudo, eles precisam impor e trabalhar nessa questão, no sentido de mostrar que eles são capazes.

Quando estava lá vi que alguns adolescentes sairam da escola porque foram efetivados no emprego.

6. Ateliers

Os ateliers abordam sobre o mundo, a arte e a história dos homens.

Os ateliers são trabalhos de criação, de exploração de novas vias que se oferecem à eles. A participação a uma prática social, uma atividade humana, que pode remeter as questões de sua própria história.

O encontro promove que eles compartilhem seus medos, conflitos e angústias do momento (é um espaço de identificações). Assim, eles podem elaborar e buscar juntos possíveis respostas. Porém, isso só é possível porque são acolhidos em suas falas e atos, que se integram na « trama » do atelier.

Este espaço permite que os jovens ocupem uma posição de sujeito, pois eles abandonam o lugar de « doente mental » para se apresentarem através de atos criativos. O grupo permite essa condição.

  • Rendez-vous des poètes – Poesia

Em cada encontro se lê uma poesia. Depois se constrói uma poesia a partir da associação livre de cada criança e educador. O que a poesia despertou, qual palavra chamou atenção ?

Ou também as crianças continuavam frases como : eu gosto/eu não gosto; eu tenho medo/eu não tenho medo, eu quero/eu não quero. Ou fala-se sobre um assunto como, por exemplo, a tristeza.

  • Revue de Presse (Olhar o que tem nos jornais e procurar informações importantes)

Inicialmente a educadora responsável conta as notícias recentes mais importantes.

Tarefa : Buscar uma informação e compartilhar com o grupo. E possível observar que a criança encontra a notícia que tem relação com a sua história e experiência, aquilo que desperta interesse.

Esta atividade insere a criança no meio social que ela vive, incluindo-a nos acontecimentos.

  • Peinture – Pintura

As crianças ficam livres para fazerem a pintura que desejam. Em seguida, elas contam a história e o que despertou para realizar a construção.

A tinta e as cores simbolizam as questões da sexualidade e dos conflitos internos.


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